"O favelado, no fundo, não é visto como alguém que realmente merece viver"

"O favelado, no fundo, não é visto como alguém que realmente merece viver" Os verdadeiros chefes do narcotráfico, os de colarinho branco, estão entre a Faria Lima, a Barra e a Tijuca, não nas favelas.” É a mesma lógica que se vê com o garimpo na Amazónia: não são os garimpeiros, os buscadores de ouro, que se enriquecem - os lucros não ficam no território. Descem para o Sul do país ou cruzam as fronteiras, indo parar em bancos suíços ou do Norte global. Celso Athayde: “A guerra no Rio é antiga — e o mais triste é que sempre foi contada com certo romantismo, como se o crime fizesse o que o Estado não faz. Enquanto isso, o crime da favela, o do asfalto e o político - o dos colarinhos brancos - continuam crescendo. A regra é velha: os policiais morrem, os bandidos morrem, as famílias choram, e os governos não se importam.

Cidade

30.10.2025 | por Laura Burocco

4 cartas e dois bilhetes inéditos de José Luandino Vieira para Mário Pinto de Andrade

4 cartas e dois bilhetes inéditos de José Luandino Vieira para Mário Pinto de Andrade A correspondência revela (de momento) ― excepto a transcrição de um rascunho manuscrito e muito rasurado de carta, sem data e não assinado, em resposta à primeira ―, apenas a parte dela enviada a Mário Pinto de Andrade por José Luandino Vieira, após a libertação do Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. A sua divulgação pública, aqui, deve ser tomada como um pequeníssimo contributo de memória histórica e de retrato fidedigno sobre o que foram, como foram, quem protagonizou e que preços se pagaram nas lutas de libertação pela conquista da independência nacional de Angola, neste ano em que se celebram os seus 50 anos.

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30.10.2025 | por Zetho Cunha Gonçalves

Imaginários da Guiné-Bissau. O espólio de Álvaro de Barros Geraldo (1955-1975), uma exposição a abrir caminhos para a investigação

Imaginários da Guiné-Bissau. O espólio de Álvaro de Barros Geraldo (1955-1975), uma exposição a abrir caminhos para a investigação Investigadoras no Instituto de História Contemporânea na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Inês Vieira Gomes e Catarina Laranjeiro cruzaram-se no igual interesse pela investigação do colonialismo, do pós-colonialismo e das repercussões sociais, culturais e identitárias das narrativas do Estado Novo nas ex-colónias e em Portugal. A estruturar a proposta curatorial, as duas propuseram uma possível visão do espólio de Álvaro de Barros Geraldo de acordo com a ideia de que aquelas fotografias permitem reflectir sobre a ficção oficial do regime salazarista relativamente às tensões coloniais. No imediato olhar, essas fotografias constituem lugares de manifestação e inscrição da ficção discursiva de «manutenção da paz» formulado como estratégia de anular a visibilidade do que era o contexto real da guerra.

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28.10.2025 | por Vanda Gorjão

Ver é um verbo demorado. Ensaio neocolonial sobre tempos, olhares e desconfortos.

Ver é um verbo demorado. Ensaio neocolonial sobre tempos, olhares e desconfortos. Na sala de montagem, trabalhava-se numa sequência de vinte minutos que não chegaria à versão curta, o mesmo é dizer de 217 minutos. No ecrã: três corpos, três temperamentos. Conversavam, provocavam-se, mediam-se. Vi em silêncio por meia hora, enquanto o Pedro discutia opções com a montadora. Visto de fora, pareceu-me uma cena magnética, em que nada acontecia e tudo acontecia. Pensei que é assim que a realidade respira quando não é obrigada a caber num guião. Numa cena lenta, tensa e viva. Vinte minutos, e nem um a mais do que precisava. Pinho monta como quem tenta ressuscitar o tempo. Deixa o ar mover-se, o pulso palpitar, o olhar perder-se e regressar. Não corta para acelerar, corta para ser honesto. É um gesto radical, hoje, num mundo onde até a indignação precisa de caber num clip.

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24.10.2025 | por P.J. Marcellino

Uma falsa maka: o português, língua nacional angolana

Uma falsa maka: o português, língua nacional angolana o ensino, quer do português quer das línguas angolanas de origem africana, deve ser feito rigorosamente de acordo com a norma de cada uma delas. É que, para alguns, a língua portuguesa deveria ser ensinada em Angola conforme ela se fala nas ruas, confundindo isso com uma possível variante angolana do idioma. Erro crasso. Outros defendem ardorosamente as línguas africanas, pois, para eles, “português é língua do colono”, mas a verdade é que também não dominam com propriedade as referidas línguas. Tais confusões não têm nada a ver com o multilinguismo.

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23.10.2025 | por João Melo

EUA e América Latina: Doutrina Monroe 2.0

EUA e América Latina: Doutrina Monroe 2.0 Há frases que atravessam os tempos e ainda ferem. “A América para os americanos”, proferida em 1823 pelo então presidente dos Estados Unidos James Monroe, converteu-se mais numa declaração de propriedade do que numa promessa de independência do continente. Erguida como escudo contra o colonialismo europeu, transformou-se rapidamente em justificação para um novo tipo de império onde a América Latina, em particular, foi tomada como o “pátio traseiro” dos EUA. Um quintal vigiado e “aplanado” sempre que necessário. Que é desenterrado agora pela administração de Trump. E que está coberto pelas ervas daninhas de sempre, essas que nascem e matam desde dentro.

Jogos Sem Fronteiras

23.10.2025 | por Pedro Cardoso

Não-lugar

Não-lugar Aos treze anos descobri que não era bonita e encontrar culpados deixou de ser importante. Dos rapazes não era a favorita o que não me chateava assim tanto, desde que a pauta se mantivesse exímia, afinal, era o único poder que eu ali tinha. Não tinha O cabelo, nem O nariz, nem A pele, mas tinha o “nunca esperei que fosses tão boa aluna” e isso a melanina não podia apagar. Mais um quadro era colocado no lugar para disfarçar a janela que, entretanto, de tinha desintegrado.

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22.10.2025 | por Lara Guimarães

Que Lisboas são as nossas? Acerca de Lisboa Mesma, Outra Cidade, vol.2

Que Lisboas são as nossas? Acerca de Lisboa Mesma, Outra Cidade, vol.2 A certa altura, a conversa tomou um rumo amargo. Não caindo na autocomiseração constatava-se que, nestes tempos, nem o mais resistente e empenhado está imune ao vírus da perda. O desaparecimento dos espaços e dos lugares significativos, de que falou e escreveu Gisela Casimiro no livro, a atomização e paralisação das existências na cidade outrora pulsante, parecem ocupar parte da cabeça dos artistas. Isso, quer queiramos ou não, afeta a sua prática. Basta espreitar no Ípsilon a recente reportagem “Crise no turno da noite”. Cada um, sobretudo os que cá vivem, sempre viveram, trabalham, etc., constrói o seu mito de cidade: a “sua” Lisboa. Mas num momento de oscilação entre o cinismo e a descrença, talvez a expressão do coletivo só seja possível a partir da representação individual, à medida que é posta em prática.

Cidade

17.10.2025 | por Tiago Lança

Uma voz de(s)colonial na paisagem lisboeta, notas em torno de "Não são águas passadas"

Uma voz de(s)colonial na paisagem lisboeta, notas em torno de "Não são águas passadas" Na cineasta Viviane Rodrigues, o crime desaparece de campo e é seu extracampo, a paisagem, que se torna memória sem fim das crises invisíveis. A questão do horror se desloca para a fala de Naky e seu olhar itinerante pela capital da antiga escravidão, hoje admirada pelos turistas. A paisagem é interlocutora silenciosa de compatibilidades perversas que tornam os gestos da exclusão inseparáveis daqueles da hospitalidade mercantil.

Cidade

17.10.2025 | por Osvaldo Fontes Filho

"O Cinema Negro pode ter um papel preponderante na reconfiguração da memória coletiva portuguesa", entrevista com Kitty Furtado

"O Cinema Negro pode ter um papel preponderante na reconfiguração da memória coletiva portuguesa", entrevista com Kitty Furtado Outro aspeto muito importante nesta produção cinematográfica é a sua característica feminista e amiúde eco-feminista. É importante frisar que grande parte das pessoas que constituem esta esfera pública alternativa são mulheres e pessoas não binárias. Estou a falar também até ao nível da produção e da divulgação e também do estudo do acontecimento. As questões de género são muito centrais na produção, quase sempre aliadas a propostas ecologistas e a uma noção de tempo espiralar, que coloca em causa o tempo linear ocidental.

Cara a cara

13.10.2025 | por Marta Lança e Ana Cristina Pereira (AKA Kitty Furtado)

Xana, um cidadão de mão cheia

Xana, um cidadão de mão cheia A vida mudou, chegaram os tempos difíceis que duram até hoje e aí já como cidadão civil viu - se enfrentado o desemprego logo ele, Homem que “só sabe trabalhar! Virou pescador de lagostas, vendeu peixe para sobreviver lembrou a quem de direito que era capaz ainda de trabalhar… que queria, teria … senão iria sucumbir… nadava de 3 a 5 horas diárias no mar grosso e gelado do Namibe, lutando contra uma depressão e tristeza profundas por não conseguir um lugar, um trabalho na reconstrução dessa Nação.

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12.10.2025 | por Isabel Baptista

Tarrafal, um filme de Zezé Gamboa

Tarrafal, um filme de Zezé Gamboa Particularmente emocionante é a passagem do depoimento de Justino Pinto de Andrade quando ele presta uma sentida homenagem aos seus companheiros de desterro, sem citar o nome de ninguém, que já depois da independência e na sequência dos acontecimentos do 27 de Maio de 1977 viriam a ser presos, torturados e mortos em condições extremamente violentas pelos seus próprios camaradas da luta anti-colonial.

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09.10.2025 | por Reginaldo Silva

No centenário (e mais um ano) de nascimento de Uanhenga Xitu, o «luandense teimoso» de Calomboloca, e nos 50 da Dipanda

No centenário (e mais um ano) de nascimento de Uanhenga Xitu, o «luandense teimoso» de Calomboloca, e nos 50 da Dipanda E, se outro mérito não tivesse a sua obra ficcional do autor de Bola Com Feitiço, essa pequena jóia rara em qualquer literatura, esta fulguração criadora da linguagem sustentada pelo húmus mais fecundo da Terra que se abre aos mais interiores horizontes angolenses, com seus perfeitos e felizes casamentos de kimbundu e português na consumação dos seus dizeres efabulatórios e sábios, esta fulguração criadora, dizia, bastaria para colocar num muito especial patamar aquele que escrevia «em jejum absoluto», «de madrugada o que me tem custado maka», muito embora «até agora nunca me considerei escritor», conforme se lê no «Inquérito aos Escritores» levado a cabo pela União dos Escritores Angolanos, adiante reproduzido.

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09.10.2025 | por Zetho Cunha Gonçalves

“Quando o algodoeiro responde em silêncio”, Rita Rainho

“Quando o algodoeiro responde em silêncio”, Rita Rainho Quando criança todo mundo escuta. É no crescer dos ossos que nos fragmentamos. Ouvir com todos os sentidos pode ser doloroso em alguns momentos, constrangedor em outros. Fica difícil ser um adulto funcional e se manter sensível à microescuta dos seres. Tantas vezes em que tivemos que ouvir desaforos e responder entre gritos silenciosos. As vozes que engolimos falam muito mais alto dentro e ensurdecem nossos receptores. É o que dizem as estudiosas da microaudiologia, nove em cada dez mulheres adoecem por tudo que escutam em silêncio.

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09.10.2025 | por Gabriela Carvalho e Rita Rainho

Das razões de Angola - identidade e pertença e novas formas de nomear o mundo

Das razões de Angola - identidade e pertença e novas formas de nomear o mundo O presente é desmesurado e apela ao cuidado com a história única. Angola é o resultado de muitas histórias de vida e resistência de participação e dissidência. Os livros não param de aumentar. A moderna biblioteca permite hoje um levantamento e uma cronologia de diferentes momentos desde os antigos movimentos de libertação aos “révus” do século XXI. A ideia de uma república popular foi anunciada nos primórdios da independência e praticada por grupos de jovens que muito perturbaram a ideia do homem novo saído da guerrilha e pronto para mudar o mundo.

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09.10.2025 | por Ana Paula Tavares

O cansaço do esclarecimento: notas sobre a razão, a crise e a possibilidade

O cansaço do esclarecimento: notas sobre a razão, a crise e a possibilidade A verdadeira catástrofe do nosso tempo é a colonização do espírito. A indústria cultural, agora digital, não apenas molda os gostos — fabrica o próprio sujeito que deseja. A linguagem empobrece, a imaginação administra-se, e a crítica converte-se em algoritmo. O que Bloom chamava de “morte da alma” é hoje uma condição planetária: o sujeito globalizado é um híbrido de consumidor, militante e espectador, preso à ilusão de autonomia que o mercado lhe vende.

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05.10.2025 | por Eugénio Matusse

Cinema Troiano: arquivos espectrais da Palestina

Cinema Troiano: arquivos espectrais da Palestina Mais de setenta e sete anos depois do início da Nakba, o que pode a poesia face ao genocídio na Palestina e à ruptura do elo entre o ver e o agir? E o que faz o “cinema de poesia” aos arquivos da história? Através de uma travessia entre o cinema de Jean-Luc Godard e Kamal Aljafari e a obra de Basma al-Sharif, Maryam Tafakory e Lincoln Péricles, esta programação debruça-se sobre a profanação de arquivos, na sua materialidade e espectralidade, como instrumento de uma re-articulação da estética e da ética e de exercício de justiça no cinema de e sobre a Palestina.

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05.10.2025 | por Raquel Schefer

"Merecemos colher os frutos do nosso trabalho." Rui Estrela

"Merecemos colher os frutos do nosso trabalho." Rui Estrela Um monumento dedicado a todas as pessoas que recusaram a escravatura e resistiram de várias formas: fugindo e recusando ser propriedade de alguém, resistindo pela manutenção da sua matriz cultural, mantendo-se vivos e apostando num futuro que só dava pistas de desgraça. Um monumento aos que nunca deixaram de acreditar que vão ser livres e que se revoltam quando a sua liberdade é ameaçada. Inspirar mudança, rebeldia perante a injustiça, defender a dignidade humana, de todos os humanos e seres vivos. Mais do que ter voz, é preciso ter organização, recursos, sentido de comunidade e poder.

Cidade

02.10.2025 | por Rui Estrela

nós-rio Uma exposição com o Rio Grande da Pipa pelo coletivo c.a.m.p.o

nós-rio Uma exposição com o Rio Grande da Pipa pelo coletivo c.a.m.p.o nós-rio é o resultado dessa co-existência e dessa co-autoria, que se foi revelando nos mais diversos formatos. O impacto acabou por se reproduzir em praticamente todos os trabalhos. Multiplicar essas paisagens foi, também, um modo de nos tornarmos veículo do rio: mapeamos para conhecer e proteger, quer seja em pinturas, fotografias, filmes ou bordados.

Vou lá visitar

02.10.2025 | por coletivo c.a.m.p.o s

Venham mais cinco! revela o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa

Venham mais cinco! revela o olhar estrangeiro sobre a revolução portuguesa  Os 4 núcleos temáticos desvelam a geografia social de um território que a maioria dos fotógrafos desconhecia, embora alguns fossem já experientes e carregassem a bagagem de várias guerras e revoluções um pouco por todo o mundo. Descobriram em Portugal a alegria popular nas ruas de Lisboa, as reivindicações operárias na cintura industrial da capital, o Alentejo das revoltas contra os latifúndios e o Interior Norte empobrecido onde as crianças iam descalças para a escola, quando esta existia a quilómetros de distância, e em casa quase ninguém sabia ler.

Vou lá visitar

02.10.2025 | por Carla Baptista